terça-feira, 10 de janeiro de 2017

TRECHOS DO LIVRO PROUST E OS SIGNOS , GILLES DELEUZE

O que é “a busca” na obra? “a busca, não é simplesmente um esforço de recor­dação, uma exploração da memória: a palavra deve ser tomada em sentido preciso, como na expressão "busca da verdade”.” “A Recherche se apresenta como a exploração dos diferentes mundos de signos, que se organizam em círculos e se cruzam em certos pontos.”
O que é “o tempo perdido” na obra? “não é apenas o tempo que passa, al­terando os seres e anulando o que passou; é também o tempo que se perde (por que, ao invés de trabalharmos e sermos artis­tas, perdemos tempo na vida mundana, nos amores?).”
O que é “o tempo redescoberto” na obra? “um tempo que redescobrimos no âmago do tempo perdido e que nos revela a imagem da eter­nidade; mas é também um tempo original absoluto, verdadeira eternidade que se afirma na arte.” [...] “a obra de arte é o único meio de redescobrir o tempo perdido."
O que é “aprender” na obra? “Aprender diz respeito essencialmente aos signos.” [...] “Aprender é, de início, considerar uma matéria, um obje­to, um ser, como se emitissem signos a serem decifrados, interpretados.” [...] “A obra de Proust é baseada não na exposição da me­mória, mas no aprendizado dos signos.”
Qual o resultado essencial do aprendizado? “há verdades a serem descobertas [no] tempo que se perde.”
O que são “signos” na obra? “Os signos são especí­ficos e constituem a matéria desse ou daquele mundo.”
1º mundo: signos mundanos. “a tarefa do aprendiz é compreender por que alguém é "recebido" em determinado mundo e por que alguém deixa de sê-lo; a que signos obedecem esses mundos e quem são seus le­gisladores e seus papas.” [...] “Não se pensa, não se age, mas emitem-se signos.” [...] “O signo mundano não remete a alguma coisa; ele a "substitui", pretende valer por seu sentido.” [...] “O aprendizado seria imperfeito e até mesmo impossível se não passasse por eles.”
2º mundo: signos do amor. “Apaixo­nar-se é individualizar alguém pelos signos que traz consigo ou emite. É tornar-se sensível a esses signos, aprendê-los.” [...] “Não podemos in­terpretar os signos de um ser amado sem desembocar em mun­dos que se formaram sem nós, que se formaram com outras pessoas, onde não somos, de início, senão um objeto como os outros.” [...] “A contradi­ção do amor consiste nisto: os meios de que dispomos para preservar-nos do ciúme são os mesmos que desenvolvem esse ciúme, dando-lhe uma espécie de autonomia, de independên­cia, com relação ao nosso amor.” [...] “os signos amorosos são signos mentiroros que não podem dirigir-se a nós senão escondendo o que exprimem, isto é, a ori­gem dos mundos desconhecidos, das ações e dos pensamentos desconhecidos que lhes dão sentido.” [...] “Era uma terra incógnita terrível a que eu acabava de aterrar, uma fase nova de sofrimentos insuspeitados que se abria. E, no entanto, esse dilúvio da realidade que nos submer­ge, se é enorme a par de nossas tímidas e ínfimas suposições, era por elas pressentido.” [...] “O mundo do amor vai dos signos reveladores da mentira aos signos ocultos de Sodoma e Gomorra.”
3º mundo: as qualidades sensíveis ou impressões. “estes signos já se distinguem dos precedentes por seu efeito imediato.” [...] “São signos verídicos, que imediatamente nos dão uma sensação de alegria incomum, signos plenos, afirmativos e alegres.” [...] “o sentido material não é nada sem uma essência ideal que ele encarna.”
4º mundo: signos da arte. “os signos da arte são os únicos imateriais.” E capazes de “revelar” a essência de cada um (no caso, do sujeito-artista).
Concluindo. “os signos mundanos, princi­palmente os signos mundanos, mas também os signos do amor e mesmo os signos sensíveis, são signos de um tempo "perdido": são os signos de um tempo que se perde. Pois não é muito sensato freqüentar a sociedade, apaixonar-se por mulheres medíocres, nem mesmo despender tantos esforços de imaginação diante de um pilriteiro, quando melhor seria conviver com pessoas pro­fundas, e, sobretudo, trabalhar.”
Sobre a verdade. “Na verdade, “Em Busca do Tempo Perdido” é uma busca da verdade.” [...] “O ciumento sente uma pequena alegria quando consegue decifrar uma men­tira do amado, como um intérprete que consegue traduzir um trecho complicado, mesmo quando a tradução lhe revela um fato pessoalmente desagradável e doloroso.” [...] “Proust não acredita que o homem, nem mesmo um espírito supostamente puro, tenha na­turalmente um desejo do verdadeiro, uma vontade de verdade. Nós só procuramos a verdade quando estamos determinados a fazê-lo em função de uma situação concreta, quando sofremos uma espécie de violência que nos leva a essa busca.” [...] “Há sempre a violência de um signo que nos força a procurar, que nos rouba a paz.” [...] “Falta necessidade às verdades intelectuais.”
Crenças impedem o aprendizado. “1ª: [objetivismo é] atribuir ao objeto os signos de que é portador.” [...] “Pensamos que o próprio ‘objeto’ traz o segredo do signo que emite.” [...] “Relacionar um signo ao objeto que o emite, atribuir ao objeto o benefício do signo, é de início a dire­ção natural da percepção ou da representação. Mas é também a direção da memória voluntária, que se lembra das coisas e não dos signos. É, ainda, a direção do prazer e da atividade prática, que se baseiam na posse das coisas ou na consumação dos obje­tos. E, de outra forma, é a tendência da inteligência.”; 2ª: “o herói se esforça para encontrar uma compensação subjetiva à decepção com relação ao objeto.”
Sobre a essência. “é uma diferença, a Diferença última e absoluta.” [...] “Não é uma diferença empírica, sempre extrínseca, entre duas coisas ou dois objetos. Proust nos dá uma aproximação da essência quando diz que ela é alguma coisa em um sujeito, como a presença de uma qualidade última no âmago de um sujeito: diferença interna, “diferença qualitativa decorrente da maneira pela qual encaramos o mundo, diferença que, sem a arte, seria o eterno segredo de cada um de nós’.” [...] “Qualidade desconhecida de um mundo único." [...] “A essência não é apenas individual, é indivi­dualizante."
Memória voluntária. “A memória voluntária vai de um presente atual a um presente que ‘foi’, isto é, a alguma coisa que foi presente e não o é mais.” [...] “essa memória não se apodera diretamente do passado: ela o recompõe com os presentes.”
Memória involuntária. “interioriza o contexto, torna o antigo contexto inseparável da sensação presente.” [...] “o essencial na memória involuntária não é a semelhança, nem mesmo a identidade, que são apenas condições; o essencial é a diferença interiorizada, tornada imanente.” [...] “A lembrança involuntária retém os dois poderes: a diferença no antigo momento e a repetição no atual.”
A matéria em que o signo é inscrito. “Os signos mundanos são mais materiais por evoluírem no vazio. Os signos amorosos são inseparáveis da força de um rosto, da textura de uma pele, da forma e do colorido de uma face: coisas que só se espiritualizam quando a criatura amada dorme. Os signos sensíveis também são qualidades materiais, sobretudo os aromas e sabores. Somente na Arte é que o signo se torna imaterial, ao mesmo tempo que seu sentido se torna espiritual.”




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