Não
apenas somos equipados semioticamente para ir à fábrica ou ao
escritório, como somos injetados, além disso, de uma série de
representações inconscientes, tendendo a moldar nosso ego. Nosso
inconsciente é equipado para assegurar a sua cumplicidade com
as formações repressivas dominantes. A esta função generalizada de
equipamentos, que estratifica os papéis, hierarquiza a sociedade,
codifica os destinos, oporemos uma função de agenciamento coletivo do
sócius que não procura mais fazer com que as pessoas entrem os quadros
preestabelecidos para adaptá-los a finalidades universais e eternas, mas
sim que aceita o caráter finito e delimitado historicamente do
empreendimentos humanos. É sob esta condição que as singularidades do
desejo poderão ser respeitadas. Tomemos o exemplo de Femand Deligny [1]
em Cevennes. Ele não criou ali uma instituição para crianças autistas.
Ele tomou possível que um grupo de adultos e de crianças autistas
pudessem viver juntos segundo seus próprios desejos. Ele agenciou uma
economia coletiva de desejo articulando pessoas, gestos, circuitos
econômicos e relacionais, etc. É muito diferente o que fazem
geralmente os psicólogos e os educadores que tem, a priori, uma idéia a
respeito das diversas categorias de “inválidos”. O saber, aqui, não se
constitui mais no poder que se apoia em todas as outras formações
repressivas. A única maneira de “percurtir” o inconsciente, de fazê-lo
sair de sua rotina, é dando ao desejo o meio de se exprimir no campo
social. Manifestamente, Deligny gosta das pessoas chamadas de autistas E
estas sabem disso. Assim como aqueles que trabalham com ele. Tudo parte
daí. E é para ai que tudo volta. Desde que somo obrigados por função, a
cuidar dos outros, a “assisti-los”, uma espécie de relação ascética
sadomasoquista se institui, poluindo em profundidade as iniciativas
aparentemente mais inocentes e mais desinteressadas. Imaginemos que
“profissionais de autista”, como as pessoas do AMIPI, [2] se proponham a
fazer “como Deligny” imitando seus gestos, organizando nas mesmas
condições. O que é que aconteceria? Eles não fariam mais do que
“aprimorar” sua tecnologia microfascista, que até agora não tinha
encontrado nada melhor do que se enfeitar com o prestígio “cientifico”
do neobehaviorismo anglo-saxão. Não ao nível dos gestos, dos
equipamentos, das instituições, que o verdadeiro metabolismo do desejo –
por exemplo, o desejo de viver – encontrara se caminho, mas sim no
agenciamento de pessoas, de funções, de relações econômicas e sociais,
voltado para uma política global de libertação.
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