sábado, 21 de janeiro de 2017

AUTISMO , DELIGNY E VIDA , POR FÉLIX GUATTARI

Não apenas somos equipados semioticamente para ir à fábrica ou ao escritório, como somos injetados, além disso, de uma série de representações inconscientes, tendendo a moldar nosso ego. Nosso inconsciente é equipado para assegurar a sua cumplicidade com as formações repressivas dominantes. A esta função generalizada de equipamentos, que estratifica os papéis, hierarquiza a sociedade, codifica os destinos, oporemos uma função de agenciamento coletivo do sócius que não procura mais fazer com que as pessoas entrem os quadros preestabelecidos para adaptá-los a finalidades universais e eternas, mas sim que aceita o caráter finito e delimitado historicamente do empreendimentos humanos. É sob esta condição que as singularidades do desejo poderão ser respeitadas. Tomemos o exemplo de Femand Deligny [1] em Cevennes. Ele não criou ali uma instituição para crianças autistas. Ele tomou possível que um grupo de adultos e de crianças autistas pudessem viver juntos segundo seus próprios desejos. Ele agenciou uma economia coletiva de desejo articulando pessoas, gestos, circuitos econômicos e relacionais, etc. É muito diferente o que fazem geralmente os psicólogos e os educadores que tem, a priori, uma idéia a respeito das diversas categorias de “inválidos”. O saber, aqui, não se constitui mais no poder que se apoia em todas as outras formações repressivas. A única maneira de “percurtir” o inconsciente, de fazê-lo sair de sua rotina, é dando ao desejo o meio de se exprimir no campo social. Manifestamente, Deligny gosta das pessoas chamadas de autistas E estas sabem disso. Assim como aqueles que trabalham com ele. Tudo parte daí. E é para ai que tudo volta. Desde que somo obrigados por função, a cuidar dos outros, a “assisti-los”, uma espécie de relação ascética sadomasoquista se institui, poluindo em profundidade as iniciativas aparentemente mais inocentes e mais desinteressadas. Imaginemos que “profissionais de autista”, como as pessoas do AMIPI, [2] se proponham a fazer “como Deligny” imitando seus gestos, organizando nas mesmas condições. O que é que aconteceria? Eles não fariam mais do que “aprimorar” sua tecnologia microfascista, que até agora não tinha encontrado nada melhor do que se enfeitar com o prestígio “cientifico” do neobehaviorismo anglo-saxão. Não ao nível dos gestos, dos equipamentos, das instituições, que o verdadeiro metabolismo do desejo – por exemplo, o desejo de viver – encontrara se caminho, mas sim no agenciamento de pessoas, de funções, de relações econômicas e sociais, voltado para uma política global de libertação.



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